"Tenho uma alma muito prolixa e uso poucas palavras; sou
irritável e piro facilmente; também sou muito calma e perdôo logo; não
esqueço nunca; mas há poucas coisas de que eu me lembre; sou paciente,
mas profundamente colérica, como a maioria dos pacientes; as pessoas
nunca me irritam mesmo, certamente porque eu as perdôo de antemão; gosto
muito das pessoas por egoísmo: é que elas se parecem no fundo comigo;
nunca esqueço uma ofensa, o que é uma verdade, mas como pode ser
verdade, se as ofensas saem de minha cabeça como se nunca nela tivessem
entrando? Tenho uma paz profunda, somente porque ela é profunda e não
pode ser sequer atingida por mim mesmo; se fosse alcançável por mim, eu
não teria um minuto de paz; quanto a minha paz superficial, ela é uma
alusão à verdadeira paz; outra coisa que esqueci é que há outra alusão
em mim - a do mundo grande e aberto; apesar do meu ar duro, sou cheia de
muito amor e é isso o que certamente me dá uma grandeza...”
Clarice Lispector
"Amanheci em cólera. Não, não, o mundo não me agrada. A
maioria das pessoas estão mortas e não sabem, ou estão vivas com
charlatanismo. E o amor, em vez de dar, exige. E quem gosta de nós quer
que sejamos alguma coisa de que eles precisam. Mentir dá remorso. E não
mentir é um dom que o mundo não merece..."
Clarice Lispector "Não é que vivo em eterna mutação, com novas adaptações a meu renovado viver e nunca chego ao fim de cada um dos modos de existir. Vivo de esboços não acabados e vacilantes. Mas equilibro-me como posso, entre mim e eu, entre mim e os homens, entre mim e o Deus."
Acordei hoje com tal nostalgia de ser feliz. Eu nunca fui
livre na minha vida inteira. Por dentro eu sempre me persegui. Eu me
tornei intolerável para mim mesma. Vivo numa dualidade dilacerante. Eu
tenho uma aparente liberdade mas estou presa dentro de mim.
Clarice Lispector
É que por enquanto a metarmofose de mim em mim mesma não
faz sentido. É uma metamorfose em que eu perco tudo o que tinha, e o que
sou. E agora o que sou? Sou: estar de pé diante de um susto. Sou: o que
vi. Não entendo e tenho medo de entender, o material do mundo me
assusta, com seus planetas e baratas.
Clarice Lispector
Sou o que se chama de pessoa impulsiva. Como descrever?
Acho que assim: vem-me uma idéia ou um sentimento e eu, em vez de
refletir sobre o que me veio, ajo quase que imediatamente. O resultado
tem sido meio a meio: às vezes acontece que agi sob uma intuição dessas
que não falham, às vezes erro completamente, o que prova que não se
tratava de intuição, mas de simples infantilidade.
Trata-se de saber se devo prosseguir nos meus impulsos. E até que ponto posso controlá-los. [...] Deverei continuar a acertar e a errar, aceitando os resultados resignadamente? Ou devo lutar e tornar-me uma pessoa mais adulta? E também tenho medo de tornar-me adulta demais: eu perderia um dos prazeres do que é um jogo infantil, do que tantas vezes é uma alegria pura. Vou pensar no assunto. E certamente o resultado ainda virá sob a forma de um impulso. Não sou maduro bastante ainda. Ou nunca serei.”
Clarice lispectorTrata-se de saber se devo prosseguir nos meus impulsos. E até que ponto posso controlá-los. [...] Deverei continuar a acertar e a errar, aceitando os resultados resignadamente? Ou devo lutar e tornar-me uma pessoa mais adulta? E também tenho medo de tornar-me adulta demais: eu perderia um dos prazeres do que é um jogo infantil, do que tantas vezes é uma alegria pura. Vou pensar no assunto. E certamente o resultado ainda virá sob a forma de um impulso. Não sou maduro bastante ainda. Ou nunca serei.”
Ando de um lado para outro, dentro de mim.
Estou bastante acostumada a estar só, mesmo junto dos outros.
Clarice Lispector Estou bastante acostumada a estar só, mesmo junto dos outros.