...inclusive a paixão e o seu desespero...
e agora só quereria ter o que eu tivesse tido e não fui...
A Hora da Estrela (Pag 36)
Clarisse Lispector
Clarice Lispector morreu um dia antes de completar 57 anos, em 9 de dezembro de 1977. Ela estava internada desde outubro. A escritora nasceu em Tchetchelnik, que hoje pertence à Ucrânia, mas veio para o Recife com dois anos de idade.
Aos sete, começou a colaborar para o jornal "Diário de Pernambuco", mas nenhum de seus contos foi publicado no jornal, pois seus textos "descreviam sensações e os editores desejavam fatos", explicaria a própria autora.
"Os meus livros não se preocupam com fatos em si porque, para mim, o importante não são os fatos em si, mas as repercussões dos fatos no indivíduo", disse Clarice, em declaração reproduzida na reportagem de capa da Ilustrada de 10 de dezembro.
O texto ainda destacou a indiferença da escritora pela opinião da crítica. Por exemplo, ela não entendia como seu primeiro livro, "Perto do Coração Selvagem", publicado quando tinha 17 anos, considerado "hermético" no início, virou um dos títulos mais vendidos da literatura brasileira anos mais tarde.
Como Lispector estivesse intrigada com o ocorrido, um amigo disse que as pessoas "haviam se tornado mais inteligentes" com os anos.
Escritora Clarice Lispector em meados dos anos 60; escritora morreu um dia antes de completar 57 anos |
Falando em voltar para casa, sem saber da gravidade de sua doença, Clarice Lispector morreu no Hospital do INPS, no Rio, e foi sepultada no Cemitério Israelita. A família e os amigos pediram a todos que respeitassem um desejo antigo da escritora: não fotografassem seu corpo morto.
10 de dezembro de 1977
Ela era uma pessoa dotada de um espírito de observação privilegiado. Além disso, ela nada sabia sobre sua enfermidade e demonstrava, em todas as conversas, seu otimismo e sua vontade de voltar logo para casa.
A brasileira Clarice, que só por acaso nasceu em uma cidadezinha da Ucrânia, dominava o inglês e o francês, mas só escreveu em português, a sua, a nossa língua materna e, que se saiba, nunca falou iídiche ou hebraico. Uma vez alfabetizada, tornou-se logo uma leitora voraz.
Quando eu aprendi a ler e a escrever, eu devorava os livros!
Eu pensava que livro é como árvore, é como bicho: coisa que nasce! Não descobria que era um autor! Lá pelas tantas, eu descobri que era um autor! Aí disse: “Eu também quero”. (em entrevista)
Eu pensava que livro é como árvore, é como bicho: coisa que nasce! Não descobria que era um autor! Lá pelas tantas, eu descobri que era um autor! Aí disse: “Eu também quero”. (em entrevista)
Sua carreira começa Perto do Coração Selvagem, título jamais desmentido ao longo dos outros romances, dos contos e das histórias infantis, ou de todas as crônicas. Com seus olhos felinos abertos de soslaio sobre o mundo, Clarice Lispector permaneceu sempre perto do coração da vida, selvagem como a natureza agreste de sua infância em Pernambuco, diferente, inaugural e transgressora, se autocriando e autodevorando como um sol que ilumina enquanto queima a si mesmo, e que aquece porque se consome.
Clarice devora-se a si mesma. (Lúcio Cardoso)
Como a própria Clarice declarou, a compulsão de escrever a fazia sentir-se morta quando não estava escrevendo.
Nasci para escrever.(...) Cada livro meu é uma estréia penosa e feliz.
A escrita clariceana, porém, ilumina sem desvelar totalmente. Como na poesia, insere-se o silêncio na encantatória prosa da escritora - tudo o que ela não clarifica -, como se ao falar da existência ainda quisesse revesti-la de outros véus. Talvez por isso o sortilégio de sua linguagem seja tão aliciante. Ela não conta histórias, escreve a vida. E escreve o escrever.
Ela como ninguém conseguiu dominar a língua brasileira e, embora ucraniana de nascimento, acabou sendo mais brasileira do que muitos que aqui nasceram", disse Nélida, no lado de fora do cemitério. Disse também que Clarice não gostava muito de falar sobre sua obra nem dos projetos literários para o futuro, "embora fosse uma escritora com bastante vitalidade e vontade de trabalhar em seus livros".
Clarice Lispector era desquitada do diplomata Maury Gurgel Valente, atual embaixador brasileiro na ALALO, no Uruguai. O casal teve dois filhos: Paulo, que reside no Rio e assistiu à morte da mãe, e Pedro, o mais velho, que vive com o pai.
"Eu escrevo sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa. Não altera em nada... Porque no fundo a gente não está querendo alterar as coisas. A gente está querendo desabrochar de um modo ou de outro..."
Acreditava que livro nascesse como árvore. Descobriu que não, e quis ser autora.
"Quando eu aprendi a ler, comecei a devorar milhares de livros. Achava que livro nascia assim como nasce uma árvore. Quando descobri que existia alguém que o escrevia, um autor, eu disse que também queria ser um". E em seguida a menina Clarice Lispector passou a escrever contos que enviava regularmente para um jornal de Recife. Nunca foram publicados, mas só muito mais tarde ela descobriu porque: "Eles descreviam sensações, ao contrário dos contos publicados, que narravam fatos".
Este foi o começo de sua carreira literária. Mas Clarice já se preparava para ela antes mesmo de saber ler, fabulando com uma amiga uma história que nunca terminava. Enquanto a escritora garantia que seus personagens estavam mortos, a amiga completava: "Eles não estavam tão mortos assim". E a história continuava. Isto foi contado pela própria autora num depoimento gravado em 1976, para o Museu da Imagem e do Som. Clarice contou fatos sobre toda sua vida, lembrou-se até de histórias anteriores a seu nascimento.
Ela tornou-se brasileira quase que por acaso. Ao saírem da Ucrânia, seus pais camponeses pensavam em transferir-se para a Alemanha em busca de uma vida melhor. Sua mãe grávida foi obrigada a descer do trem em Tcheschelnik, para que pudesse nascer. Com dois meses de idade já estava em Recife, onde aprendeu a falar, ler, escrever e gostar muito de caranguejo, coisa que jamais teria conhecido nos trigais de sua terra natal. Recordava-se de que foi uma criança muito alegre durante o curso escolar. Com a passagem para a adolescência mudou um pouco. Foi matriculada num ginásio pernambucano, mas mal teve tempo para conhecer as colegas. Sua família transferiu-se para o Rio.
Entre os 13 e 15 anos, Clarice freqüentou assiduamente a biblioteca de aluguel da rua Rodrigo Silva. E lia todos os livros de títulos bonitos. Assim, acabou conhecendo "O Lobo da Estepe", de Herman Hesse, "que me marcou profundamente. Depois desse livro adquiri consciência daquilo que desejava ser, como queria ser e o que desejava fazer". Terminando o ginásio, cursou Ciências Jurídicas. Mas só terminou o curso para desafiar uma amiga que a acusava de nunca acabar o que começava. Nessa época leu Dostoievsky, Machado de Assis, Graciliano Ramos, Jorge Amado e Katherine Mansfield, com quem se identificou muito -- o que seria notado mais tarde por críticos literários do Brasil e de fora. Ao mesmo tempo, vivia sua segunda -- a primeira verdadeiramente importante -- experiência literária. Aos 9 anos, ainda em Recife, e entusiasmada por um espetáculo de teatro, ela escreveu uma peça "em três atos e três folhas de papel. Nenhum autor foi mais suscinto do que eu", lembrava rindo. Mas agora, no início da década de 40, era diferente. Clarice começara a trabalhar no jornal A Noite, estava no terceiro ano da faculdade, escrevia uma tese para o curso sobre o direito de punir. Preocupava-se com as idéias que surgiam de manhã em sua cabeça mas que à noite já estavam esquecidas. Começou a anotá-las. Daí, surgiu Perto do Coração Selvagem, seu passaporte de entrada no mundo literário brasileiro, em 1944.
O lançamento foi discreto, mas o livro interessou ao crítico Sérgio Milliet, que lhe dedicou um rodapé em sua coluna. Imediatamente outros fizeram o mesmo, "foi a realização". Logo depois Clarice casava-se com o namorado Maury e terminava seu curso de Direito. Maury Gurgel Valente tornou-se diplomata e Clarice acompanhou o marido, vivendo na Itália, Suíça (onde nasceu Pedro, o primeiro filho), Inglaterra, Estados Unidos, tendo residido seis anos em Washington, a cidade onde nasceu Paulo, o filho que vive no Rio. Por eles, juntou à sua obra duas narrativas infantis: O Mistério do Coelho Pensante, em 57, e A Mulher que Matou os Peixes, 11 anos depois. As duas histórias foram tiradas de fatos corriqueiros e domésticos e, na segunda, a personagem do título era a própria escritora que certa vez, ocupada com outros problemas, deixara os os peixes de seu aquário morrerem de fome.
Seu livro de estréia provocou comparações com Virginia Woolf e James Joyce, autores que Clarice só leria depois. Ela tavez ficasse menos decepcionada se alguém tivesse se lembrado de D.H. Lawrence, "minha grande admiração literária. Me inflamo com ele. Tem todos os defeitos da espécie humana, mas é fogo puro". Publicou depois, O Lustre, Alguns Contos, A Maçã no Escuro (seu livro mais traduzido internacionalmente), A Paixão Segundo G.H., Aprendizado ou o Livro dos Prazeres, Felicidade Clandestina, Laços de Família e outros, inclusive crônicas, ensaios e reportagens.
Bonita, seus estranhos olhos oblíquos provocaram a admiração também de pintores famosos. Em seu apartamento carioca, no Leme, esta admiração estava assinada em retratos pintados por Giorgio De Chirico (durante o tempo em que viveu em Roma), Ismailovitch e Ceschiatti, entre vários outros. Ela quase morreu queimada num incêndio em sua casa, ficando com a mão direita parcialmente destruída e sofrendo dolorosas queimaduras. "Só posso dizer que passei três noites no inferno, aquele que -- dizem -- espera os maus depois da morte. Eu não me considero má e o conheci ainda viva".
Apaixonada por crianças, gatos, cães, galinhas e insetos, sofria de insônia ("se eu dormisse mais fumaria menos") e torcia pelo Botafogo ("por causa do Garrincha"). A escritora guardou até a morte um certo sotaque pernambucano. "Pernambuco marca tanto a gente que basta que nada, mas nada mesmo das viagens que fiz por este mundo contribuiu para o que escrevo. Mas Recife continua firme".
Este foi o começo de sua carreira literária. Mas Clarice já se preparava para ela antes mesmo de saber ler, fabulando com uma amiga uma história que nunca terminava. Enquanto a escritora garantia que seus personagens estavam mortos, a amiga completava: "Eles não estavam tão mortos assim". E a história continuava. Isto foi contado pela própria autora num depoimento gravado em 1976, para o Museu da Imagem e do Som. Clarice contou fatos sobre toda sua vida, lembrou-se até de histórias anteriores a seu nascimento.
Ela tornou-se brasileira quase que por acaso. Ao saírem da Ucrânia, seus pais camponeses pensavam em transferir-se para a Alemanha em busca de uma vida melhor. Sua mãe grávida foi obrigada a descer do trem em Tcheschelnik, para que pudesse nascer. Com dois meses de idade já estava em Recife, onde aprendeu a falar, ler, escrever e gostar muito de caranguejo, coisa que jamais teria conhecido nos trigais de sua terra natal. Recordava-se de que foi uma criança muito alegre durante o curso escolar. Com a passagem para a adolescência mudou um pouco. Foi matriculada num ginásio pernambucano, mas mal teve tempo para conhecer as colegas. Sua família transferiu-se para o Rio.
Entre os 13 e 15 anos, Clarice freqüentou assiduamente a biblioteca de aluguel da rua Rodrigo Silva. E lia todos os livros de títulos bonitos. Assim, acabou conhecendo "O Lobo da Estepe", de Herman Hesse, "que me marcou profundamente. Depois desse livro adquiri consciência daquilo que desejava ser, como queria ser e o que desejava fazer". Terminando o ginásio, cursou Ciências Jurídicas. Mas só terminou o curso para desafiar uma amiga que a acusava de nunca acabar o que começava. Nessa época leu Dostoievsky, Machado de Assis, Graciliano Ramos, Jorge Amado e Katherine Mansfield, com quem se identificou muito -- o que seria notado mais tarde por críticos literários do Brasil e de fora. Ao mesmo tempo, vivia sua segunda -- a primeira verdadeiramente importante -- experiência literária. Aos 9 anos, ainda em Recife, e entusiasmada por um espetáculo de teatro, ela escreveu uma peça "em três atos e três folhas de papel. Nenhum autor foi mais suscinto do que eu", lembrava rindo. Mas agora, no início da década de 40, era diferente. Clarice começara a trabalhar no jornal A Noite, estava no terceiro ano da faculdade, escrevia uma tese para o curso sobre o direito de punir. Preocupava-se com as idéias que surgiam de manhã em sua cabeça mas que à noite já estavam esquecidas. Começou a anotá-las. Daí, surgiu Perto do Coração Selvagem, seu passaporte de entrada no mundo literário brasileiro, em 1944.
O lançamento foi discreto, mas o livro interessou ao crítico Sérgio Milliet, que lhe dedicou um rodapé em sua coluna. Imediatamente outros fizeram o mesmo, "foi a realização". Logo depois Clarice casava-se com o namorado Maury e terminava seu curso de Direito. Maury Gurgel Valente tornou-se diplomata e Clarice acompanhou o marido, vivendo na Itália, Suíça (onde nasceu Pedro, o primeiro filho), Inglaterra, Estados Unidos, tendo residido seis anos em Washington, a cidade onde nasceu Paulo, o filho que vive no Rio. Por eles, juntou à sua obra duas narrativas infantis: O Mistério do Coelho Pensante, em 57, e A Mulher que Matou os Peixes, 11 anos depois. As duas histórias foram tiradas de fatos corriqueiros e domésticos e, na segunda, a personagem do título era a própria escritora que certa vez, ocupada com outros problemas, deixara os os peixes de seu aquário morrerem de fome.
Seu livro de estréia provocou comparações com Virginia Woolf e James Joyce, autores que Clarice só leria depois. Ela tavez ficasse menos decepcionada se alguém tivesse se lembrado de D.H. Lawrence, "minha grande admiração literária. Me inflamo com ele. Tem todos os defeitos da espécie humana, mas é fogo puro". Publicou depois, O Lustre, Alguns Contos, A Maçã no Escuro (seu livro mais traduzido internacionalmente), A Paixão Segundo G.H., Aprendizado ou o Livro dos Prazeres, Felicidade Clandestina, Laços de Família e outros, inclusive crônicas, ensaios e reportagens.
Bonita, seus estranhos olhos oblíquos provocaram a admiração também de pintores famosos. Em seu apartamento carioca, no Leme, esta admiração estava assinada em retratos pintados por Giorgio De Chirico (durante o tempo em que viveu em Roma), Ismailovitch e Ceschiatti, entre vários outros. Ela quase morreu queimada num incêndio em sua casa, ficando com a mão direita parcialmente destruída e sofrendo dolorosas queimaduras. "Só posso dizer que passei três noites no inferno, aquele que -- dizem -- espera os maus depois da morte. Eu não me considero má e o conheci ainda viva".
Apaixonada por crianças, gatos, cães, galinhas e insetos, sofria de insônia ("se eu dormisse mais fumaria menos") e torcia pelo Botafogo ("por causa do Garrincha"). A escritora guardou até a morte um certo sotaque pernambucano. "Pernambuco marca tanto a gente que basta que nada, mas nada mesmo das viagens que fiz por este mundo contribuiu para o que escrevo. Mas Recife continua firme".
"Faço poesia não porque seja poeta mas para exercitar a minha alma."
Frase de Ulisses, uma das personagens de Clarice.
Fontes:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u469539.shtml
http://www.diversificando.kit.net/postclarice.htm
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